O mundo parece virado ao contrário ou pelo menos está um pouco diferente. Fomos nós que mudámos? Ou tudo está a mudar sem darmos conta? Às vezes parece que as mudanças são tão rápidas que nem se dá conta do tempo, do progresso rápido e da forma como surgem alterações que jamais pensávamos. Pronto. Feita a introdução, regressemos ao que é urgente discutir e que há alguns anos talvez se julgasse impossível: um Porsche 100% elétrico é ou não melhor do que uma potente berlina híbrida? Está lançado o mote, sem complacência e sem ser permitido voltar atrás. Que ganhe o melhor ou o menos visado pelo politicamente correto. Sim, porque a política também entrará nisto e as transições nem sempre são tão instantâneas como desejaríamos.
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À parte do estatuto aristocrata e dos preços nada acessíveis dos modelos em causa (neste caso bem acima dos 100 mil € com facilidade), a dúvida subsiste perante o ciclo de viragem que se opera no automóvel. É certo que a dita revolução é quase sempre explicada pela emergência climática e pela saúde pública, mas essa razoabilidade temática parece nada valer em certas decisões. Bem ou mal, estamos a pôr à prova um Porsche contra um atualizado Série 5. Venha o diabo e escolha, uma vez que a dúvida não é nada má. Tudo depende da perspetiva, uma vez que é difícil elencar argumentos financeiros plausíveis quando se está na presença, à partida, de automóveis com encargos tão grandes. Para uma minoria discreta, certamente, que não abdica de grandes dinâmicas e de enormes prestações.
No Taycan da Porsche é mantido o ADN da marca e isso é quase um sacrilégio dizê-lo, mas é verdade. Está lá tudo o que a marca nos habituou a ter num modelo desportivo, desta vez com a diferença da propulsão ser totalmente elétrica e com zero emissões. Assim que está pronto a avançar, e o escape desportivo ligado, escuta-se um som de nave espacial a baixa velocidade, mais forte até do que é habitual noutros elétricos. Está feito o aviso. É Porsche. Na condução isso nota-se, assim como nas prestações e na elevada precisão a curvar.
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Já o interior, até podia ser mais parecido ao do Panamera e ter alguns detalhes com melhor ergonomia. A colocação dos comandos dos vidros e dos espelhos está demasiado atrás nas portas; alguns menus dos ecrãs são pouco intuitivos e o aspeto gráfico dos ecrãs não é arrojado, conservador se se quiser. O toque nas teclas exige uma pressão continuada, embora seja possível mudar (um pouco) esse tato e o próprio som. A visão à retaguarda é exígua, mas há câmaras e sensores por todo o lado. De resto, o luxo e o conforto imperam, a par de inúmeros equipamentos sofisticados (e muitos opcionais), como acontece no opositor da BMW, o qual não deixa créditos por mãos-alheias ao incluir até o pack desportivo M (por 4890 €), quase em aparente contradição com o sentido mais ecológico de uma versão PHEV.

O 545e adota novo motor de 6 cilindros a gasolina apoiado por motor elétrico de 109 cv (à frente, longitudinal), atingindo uma potência máxima combinada de 394 cv. Já a bateria (central traseira) tem uma capacidade útil de 11,2 kWh, o que permite uma condução puramente elétrica na ordem dos 35-40 km (real). A gestão desta mecânica é efetuada por vários modos e a função Battery Control permite recarregar a bateria de iões de lítio a partir do esforço do motor a gasolina. Tudo é válido, mas o mais impressionante são as credenciais dinâmicas exibidas por este Série 5, ultrapassando até o Taycan nas principais medições. E quase o faz de forma soberba, aplicando maior pressão gravitacional no condutor e ocupantes ao disparar até 100 km/h em menos de 5 s (4,8 s). A tração integral xDrive é cúmplice dessa façanha num automóvel com tanto peso, apesar da profusão de alumínio. O Taycan combate essa mais-valia do BMW com a precisão do arranque (5,2 s) que é dada através do Launch Control, que tal como nos outros Porsche atua sempre de uma maneira implacável, com repetições por igual, sem recusas ou queixas, como às vezes sucede noutros modelos. E é quase um vício repetir esse género de arranques, até porque a bateria não se esgota facilmente, nem diminui drasticamente. Essa é uma qualidade a valorizar, uma vez que a autonomia declarada (até 479 km) é muito plausível. De facto, mesmo se se exagerar, o Taycan não parece sofrer do síndrome de uma bateria que vai num instante. Nada disso. É perfeitamente realístico obter uma autonomia próxima dos 400 quilómetros, com médias a partir de 16,8 kWh/100 km ou entre 19 e 26 kWh/100 km. Tudo depende do tipo de condução, do percurso e das condições da estrada, já se sabe. Os tempos de recarga para uma bateria de 93,4 kWh não podiam ser muito rápidos (9 horas a 11 kW, AC), embora por corrente contínua (DC) possa demorar apenas 22 minutos num terminal de 270 kW ou 1h33 minutos num de 50 kW.

Neste particular, o 545e é doutro campeonato, uma vez que a pequena bateria de 12 kWh admite carregamentos domésticos a 2,3 ou a 3,7 kWh, aí com períodos de carga de 6 a 4 horas, respetivamente. E é por aí que as diferenças são abissais entre estes aristocratas, perdoando-se menos o otimismo teórico anunciado pela BMW nos valores da autonomia 100% elétrica e nos dados dos consumos. Não se confirmam nem os 56 km em modo 100% elétrico, nem a média de 1,7 l/100 km depois de esgotada a reserva. O 545e tem consumos baixos, é verdade, mas a zero emissões percorre entre 35 a 40 quilómetros, ao mesmo tempo que é credível um gasto de 8,2 litros por 100 km, a que se juntam 3,6 kWh. Ainda assim tratam-se de resultados sensatos, tendo em conta o tipo de berlina em causa.
Mas é exatamente aqui que se pode assistir a um impasse na decisão, com o Taycan a ser outra... coisa.
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A eficácia demonstrada por ambos na condução também não ajuda a desempatar, uma vez que os movimentos de carroçaria são mínimos e o equilíbrio é a nota dominante. Porsche é... Porsche, tendo o Taycan as premissas inerentes à genética da marca: grande direção, ótimo chassis e ligações ao solo bem projetadas. O 545e não se inibe face a essas credenciais, assegurando um conforto notável, uma agilidade e uma precisão nada comuns para uma berlina deste tamanho. Há ligeira vantagem do Taycan a curvar, mas é difícil ficar indiferente à destreza do BMW e à tremenda capacidade da aceleração a direito. Estonteante! Os consumos são variáveis, já dissemos, mas é possível geri-los e ajustá-los aos objetivos, ao mesmo tempo que o modo 100% elétrico foi ampliado face ao antecessor.
Estamos assim na presença do melhor de dois mundos, embora o Taycan possa surgir como o representante da tendência de um mundo novo, daquele que passa por assumir que não há planeta B.
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A equação é difícil e o alinhamento dos equipamentos para cada uma das versões a jogo parece complicar, tendo em conta as listas das opções, as quais também são responsáveis pelos valores finais tão elevados. E aí as dificuldades surgem outra vez, embora o 545e custe menos 8 mil € do que o Taycan e esteja muito bem equipado.
O Taycan com bateria Performance Plus (por mais 5916 €) estica o valor da autonomia anunciada até perto dos 480 km, graças a uma capacidade de 93,4 kWh (83,7 kWh úteis). Mas sempre é melhor contar com uma estimativa só um pouco acima dos 400 km. Um dado evidente é que a reserva de energia não se esgota facilmente, mesmo se se exagerar na condução, algo que é fácil face à desdobrada potência até aos 476 cv (overboost e Launch-control). Como primeiro modelo 100% elétrico da Porsche, o Taycan convence inteiramente, embora a tecnologia PHEV do 545e seja uma ótima solução, mais limitada e transitória, é certo, mas a garantir grandíssimos resultados.