Há automóveis estritamente elétricos que transmitem uma condução extraordinária, sendo fácil estreitar relações de afeto com o pulsar desses ‘corações’ e com as acelerações tão vertiginosas. Novos i4 M50 e EQE 43 4Matic são exemplos cúmplices dessa inédita poesia em movimento...
Se à poesia fosse dada presença física num automóvel, por mais objeto concreto que este possa ser, talvez surgisse num formato parecido ao do EQE 43 da Mercedes-AMG ou do i4 M50 da BMW. Em ambos, as sensações de condução fazem transparecer essa beleza singular do movimento, tão extraordinária como invulgar, que se entranha à medida dos poderios mecânicos a jogo e das dinâmicas à prova de bala. Quase metafísico, ou melhor, para lá dos limites da física comum, com o i4 M50, por exemplo, a ser mais potente e rápido do que o BMW M3 Competition.

Não há como escapar à escancarada adrenalina que deriva das prestações do BMW e da ação dos motores elétricos que conseguem atingir um máximo de 544 cv com 795 Nm de binário. A esse potencial técnico soma-se a tração integral (um motor por eixo), a suspensão pneumática apenas no eixo traseiro com ajuste adaptativo e a transmissão automática, elementos que se juntam para um temperamento radical quando se ativa o modo Sport Boost, este a libertar mais 68 cv e 65 Nm de binário extra para se alcançar a tal fasquia dos 544 cv.
Essa artilharia acaba por expressar-se nos arrebatadores 3,8 segundos até aos 100 km/h, ou ainda nos escassos 2,2 segundos dos 80 aos 120 km/h. É tudo resolvido em segundos e nuns instantes breves! Como num simples poema...

Às elevadas performances junta-se a grande dinâmica e a forma exímia como curva, características que são denunciadas pela base em que assenta, nada menos do que a do Série 4 Gran Coupé, melhorada pela divisão desportiva da M nalguns detalhes importantes, quer na suspensão, quer nas ligações ao solo.
Não se trata de um elétrico concebido de raiz e o berço da bateria (83,9 kWh) está sob o habitáculo, o que acaba por baixar o centro de gravidade, tendo um notável coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,24. Quanto ao resto, agrega uma imponente grelha fechada e jantes específicas em liga leve de 18’’, sendo possível apontar o baixo ruído de rolamento e a acústica pouco acentuada da motorização elétrica.

A insonorização e o conforto estão mesmo num ótimo plano, mesmo que não consiga superar o rival EQE 43 nesses aspetos.
O i4 M50, de facto, é confortável e revela uma dinâmica muito estável (nenhuma dúvida acerca disso!), acelerando-se de forma controlada através de uma perfeita gestão (eletrónica) da motricidade em todos os momentos e, principalmente, nos fortíssimos arranques, mesmo se se tiver em conta o elevado peso anunciado de toda a estrutura (2290 kg).
Como é usual na BMW, a direção é exímia, tateando-se a estrada com enorme precisão, o que facilita nos momentos de grande velocidade em curva, permitindo correções fáceis mediante as intensas forças laterais.

Consumos equivalentes
O aproveitamento do potencial elétrico está bem ajustado, assim como a afinação da travagem regenerativa (adaptativa), que, de igual modo, devolve à bateria a energia cinética das desacelerações. Essa função adaptativa (e preditiva) não é nada brusca, quase permitindo não se usar o pedal do travão, controlando bem a distância face a outros veículos da frente e a aproximação a rotundas ou a zonas com limites de velocidade impostos (pela navegação).
Face às credenciais desportivas do i4 M50, o amortecimento nem sequer é demasiado rude, tanto mais se se considerar as performances quase de outro mundo. É muito provável que se exagere com frequência no tresloucado exercício de arrancar à bruta, tal o prazer que daí se retira. Quase um vício! É claro que essa menor ponderação se repercutirá em valores mais elevados de consumo, cuja média, aliás, nunca se coloca abaixo dos 20 kWh/100 km, o que também estilhaça as expetativas de uma melhor autonomia –, ainda assim próxima dos 400 quilómetros. Se se a circulação for mais frequente (ou intensa) em autoestrada é perfeitamente natural que esse valor ainda seja inferior (cerca de 320 km).

Tempos de carga
No automóvel da BMW são permitidas cargas rápidas até aos 205 kW (DC), pelo que, nesse caso, abastece-se em cerca de 30 minutos dos 10% até aos 80% da capacidade da bateria. Já num posto de 11 kW (AC), a operação demorará cerca de 8h30 minutos (0-100%).
No Mercedes-AMG os tempos previstos (oficiais) para essas operações são parecidos: 29 minutos a 170 kW (máximo DC, até 80%) e cerca de 8h20 minutos a 11 kW (AC, 100%) e, imagine-se, 27 horas numa tomada doméstica de 3,7 kW (AC).
Dinâmicas de exceção
A narrativa dinâmica já apontada ao i4 M50 também se ajusta ao EQE 43, cuja compleição física pouco diverge da do adversário, embora seja menos extremista. Por outro lado, quase não se entende onde poderá terminar a força do agregado elétrico (de 476 cv), tendo em conta a maneira como o modelo progride em estrada. Muito forte, sem dúvida! E isso é visível no arremesso até aos 100 km/h (com 4 segundos exatos, ligeiramente abaixo dos 4,2 s anunciados), ainda para mais se se ativar o programa Sport+ e o modo Race Start, espécie de Launch-control para arranques imbatíveis. É quase possível esquecer que se está na presença de uma berlina com cerca de cinco metros de comprimento e um peso total acima das duas toneladas e meia –, escutando-se, simultaneamente, o mais intenso dos três níveis de som projetados pela AMG, como se tratasse de uma... nave espacial. Que tempos!

O otimizado sistema de travagem suportará os exageros mais frenéticos, em conjunto com os pneus Michelin Pilot Sport (medidas 295/30 atrás, 265/35 à frente), uma vez que poderá ser entusiasmante levá-lo até ao extremo, abusando-se da pressão elétrica de que se dispõe, do acelerador e do desafio às próprias leis da gravidade. Numa aceleração ríspida até aos 100 km/h (Race Start ativado) é possível ficar boquiaberto, quase zonzo e sentir a alma a descolar-se para fora do corpo. O pior é que se poderá gostar de repetir esses movimentos vezes sem conta, tal como acontece no inimigo M50.
As transferências de massas são pouco acentuadas devido à (boa) divisão repartida das mesmas, embora não se descarte a sensação de se estar a conduzir um automóvel... pesado, mesmo que seja fácil perceber todas as reações.
Como se disse, as prestações dinâmicas são quase sobrenaturais, tão instantâneas e repentinas como num elétrico que se preze, ainda para mais num modelo com este estatuto, projetado para ser tão especial.
A avaliação do conforto é igualmente categórica, aí com rasgados elogios a todos os níveis, algo que é ampliado pela suspensão pneumática (adaptativa) e pelo reduzido ruído de estrada, podendo assemelhar-se a uma espécie de planador silencioso, tendo ainda em conta que o habitáculo está bem blindado.

Acresce o facto de se contar com rodas traseiras direcionais, o que torna mais fácil as viragens em locais de estacionamento apertados – dado o longo comprimento –, e permitindo outra estabilidade nos andamentos elevados em autoestrada. Nota-se bem a ligeireza dada pelo sistema, embora a velocidade máxima esteja limitada a 210 km/h – 225 km/h no adversário. Importa referir que o consumo médio não se distancia muito do do rival em causa – de 21 a 22 kWh/100 km –, no entanto, como a capacidade da bateria é ligeiramente superior (90,56 kWh), então, a autonomia também se superioriza: entre normais 450 e 480 km, conforme o tipo de condução, itinerário e condições associadas.
A sofisticação interna está uns furos acima da do BMW, algo que se pressente em vários detalhes, com evidente destaque para a grande dimensão dos três monitores digitais (Hyper Screen, opção disponível por 8900 €), os quais envolvem todo o tablier e uma boa parte da consola central, existindo ainda um monitor separado e individual no lado do passageiro. No BMW também sobressai a nova faixa 100% digitalizada sobre o tablier que integra a nova geração do sistema multimédia, mantendo-se (ainda bem!) o botão iDrive na consola. Há muitas nuances (e opções) a ter em conta no Mercedes-AMG EQE 43, como que a legitimar o preço (bem) mais elevado face ao oponente da BMW: nada menos do que 44 mil euros nas versões em análise.
O habitáculo do modelo de Estugarda é mais amplo, em especial nos lugares atrás e na amplitude até ao teto, encontrando-se uma variedade de equipamentos difícil de igualar, mesmo se no automóvel da marca de Munique a lista é completa. Entre prós e contras, no final, ligeira vantagem do EQE 43, embora o preço tão elevado possa torná-lo menos... poético, tendo até em consideração que o lado físico do i4 M50 (leia-se dinâmica) é argumento forte.

Admirável mundo novo! Os debutantes i4 M50 da BMW e EQE 43 4Matic da Mercedes-AMG são dois exemplos extraordinários de como os automóveis 100% elétricos podem ser tão arrebatadores, não sendo possível ficar indiferente às prestações explosivas, à vertente dinâmica tão intensa e às tecnologias avançadas.
É claro que, nestes casos, os preços são exclusivos, como se vê pelos equipamentos, sobressaindo o caráter luxuoso e o ambiente sofisticado a bordo, ambos associados às etiquetas desportivas da AMG e da M. No EQE 43, essa singularidade é notada através de mais conteúdos adicionais (suspensão Airmatic, ecrã digital Hyper Screen, eixo traseiro direcional e jantes de 21’’, por exemplo), tratando-se de um automóvel eloquente, quer no conforto, quer na forma como voa em estrada. Idêntica radicalidade no i4 M50, este com dinâmica brutal, emotiva e eficaz.
Preços (junho 2023):
BMW i4 M50 - 76.600 €
Mercedes-AMG EQE 43 - 110.200 €